UMA OPINIÃO MUITO PESSOAL
ou
JUSTIÇA PARA TRÊS FAMÍLIAS DE VERANISTAS
OU PARA CENTO E CINQUENTA CRIANÇAS MORADORAS DE ARAMBARÉ?
Analisando com olhos de hoje, parece que Arambaré já foi uma terra de ninguém.
Principalmente no período pré-emancipação, quando alguns donos de terras resolviam lotear pequenas ou grandes áreas ao seu bel prazer, não interessando qualquer organização de urbanidade. Não vamos levar em consideração a distribuição de rede elétrica, de água tratada, de telefonia ou de esgoto pluvial porque isto é “moderno” em Arambaré por ser recente. Vamos considerar apenas o traçado viário destes loteamentos. As ruas eram demarcadas de qualquer jeito, não interessando se elas fossem iniciar ou terminar nas vias já delimitadas da cidade ou se fossem conectar com as ruas do loteamento que estava sendo implantado ao lado. Por isso, muitas ruas, fora do centro, apresentam “cotovelos” no seu trajeto.
Pois o fato que trazemos para sua apreciação aconteceu com dois loteamentos vizinhos estabelecidos no Bairro Costa Doce. Dois proprietários venderam suas áreas, divididas em diversos terrenos, certos que estes dois loteamentos eram limítrofes, mas separados pela extensão da Rua Donário Lopes. Assim, um loteamento ficaria a leste e o outro a oeste da referida rua.
No entanto, os responsáveis pelo loteamento leste, provavelmente, não conheciam as reais dimensões desta área porque, divididos os terrenos não perceberam que a Rua Donário Lopes ficava a quase trinta metros de distância. Assim as quadras 27 e 82 (limitadas pelas Ruas Jacó Centeno ao norte, Lothar Hofstatter ao sul e Donário Lopes a oeste) ficaram com uma área vazia de quase 2.000 metros quadrados cada. Sem ter um destino determinado a área foi passada para o domínio da Prefeitura Municipal, que nunca registrou legalmente a sua posse.
Recentemente, a administração de Arambaré pretendeu abrir uma travessa de servidão fronteira as residências da quadra 82 que ficam de frente para esta área. A finalidade é de facilitar o acesso de três proprietários às suas casas já que isto ocorria (por falha e desatenção dos loteadores) atravessando a área sobrante vindos da Donário Lopes. Feito isto, era intenção da Prefeitura integrar a área a toda comunidade de Arambaré através de uma parceria com uma entidade de real interesse público.
A entidade escolhida foi o Núcleo dos Colorados de Arambaré – NCA, de reconhecidos trabalhos comunitários que desenvolve na cidade há quase seis anos. O objetivo principal é a Escolinha de Futebol do NCA que congrega em torno de 150 meninos e meninas, três vezes por semana, em atividades esportivas, educacionais, culturais, sociais, filantrópicas e de preservação do meio ambiente.
Num trabalho voluntário a Escolinha de Futebol do NCA busca a conjunção de esforços, a articulação de metas e a harmonia de procedimentos para preencher o tempo ocioso das crianças e adolescentes, orientando e ensinando a prática do futebol, respeitando a individualidade biológica e o seu desenvolvimento; utilizando o esporte como meio de socialização, interação e educação; desenvolvendo habilidades físicas, motoras, técnicas e táticas, sem esquecer o aspecto social e descobrindo novos talentos como fator de integração e inclusão social.
Constituem objetivos específicos da Escolinha de Futebol do NCA, segundo o seu Regimento Interno, a relevância do trabalho voluntário e a integração entre o NCA, a comunidade e o poder público para propiciar às crianças e adolescentes a sua integração na sociedade, tornando-os cidadãos educados e conhecedores do respeito e da confiança, dos direitos e dos deveres, dos prazeres e das responsabilidades e da cortesia e do agradecimento; o incentivo e o apoio na busca de bons resultados na assiduidade, na disciplina e no aproveitamento escolar; a orientação, junto às famílias, da visita periódica ao médico e ao dentista, destacando os hábitos sadios de alimentação, a importância das vacinações e o acompanhamento biométrico de peso e altura e a prevenção do uso do álcool e das drogas.
Bem, em setembro de 2011, a Prefeitura Municipal e o Núcleo dos Colorados de Arambaré assinaram o Termo de Cedência em Comodato da área de 1.912 metros quadrados na quadra 82 entre as Ruas Lothar Hofstatter e José Neres Gama. A área seria destinada para a construção de um campo de futebol sete, dois vestiários e uma sala de aula para atender os alunos da Escolinha de Futebol do NCA.
Usando verbas advindas das contribuições sociais e de promoções extraordinárias, o Núcleo dos Colorados adquiriu a madeira e o arame necessários para cercar a área, aguardando a liberação da SEMA para o transplante de algumas árvores nativas que estão na linha da servidão a ser aberta pela Prefeitura.
Como a passagem para as três residências de veranistas que dependiam da abertura da servidão de acesso estava garantida pela Direção do NCA, foram iniciados os trabalhos de cercamento da área no final de outubro.
No entanto, as três famílias de veranistas se acharam prejudicadas, alegando que aquela área lhes pertencia já há anos a usavam para acesso às suas casas. Discutiram e ofenderam não só o funcionário encarregado para o trabalho, mas também diretores do NCA e o próprio Prefeito Municipal. Ameaçaram que, se fizessem cerca em torno da área, iriam derrubá-la. E cumpriram.
Constatado o dano ao patrimônio do Núcleo, a Direção buscou o registro de Boletim de Ocorrência na Brigada Militar local e o apoio jurídico da Prefeitura Municipal. Esta, sentindo-se ofendida no seu direito de ceder a área em comodato a uma entidade reconhecidamente de utilidade pública, solicitou medida cautelar junto ao Foro de Camaquã. Pois a decisão saiu no dia 13 de dezembro durante audiência das partes.
É do domínio de todos que “decisão judicial se cumpre”, mas esta parece que surpreendeu toda a comunidade de Arambaré.
Em primeiro lugar, a decisão sequer tratou do vandalismo e do extravio cometido e comprovadamente mostrado com testemunhas.
Em segundo lugar, e o mais importante, o interesse de cento e cinquenta crianças e adolescentes que usariam a área durante todo o ano foi desprezado em prol de três famílias de veranistas que vem a Arambaré de vez em quando. A atividade de valorização de cento e cinquenta crianças foi derrotada por marcas de pneus deliberadamente produzidas para, em fotografias apresentadas em juízo, “provar” que é o único acesso para as suas casas. O desenvolvimento social de cento e cinquenta crianças foi desprezado pela alegação de posse da área pela presença de floreiras, hortas e algumas árvores plantadas na área invadida.
Decisão de juiz se cumpre, mas uma decisão precisa atender em primeiro lugar o objetivo da sociedade. Por isso, cumpre-se, mas pode ser discutida.
Era esta a nossa “opinião muito pessoal” e, para terminar precisamos modificar a primeira frase deste texto. Dizíamos que parece que Arambaré não era de ninguém, mas agora sabemos: com a decisão do dia 13, Arambaré tem dono sim. São as três famílias de veranistas. Pelo menos daquela área da quadra 82.
Texto de Rogeris Luiz Mossmann
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